quarta-feira, 23 de março de 2011

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE HISTÓRIA DO DIREITO - PERÍODO PRÉ-HISTÓRICO ATÉ O DIREITO COTIDIANO

Marcio Lourenço Pereira
 
Questionário apresentado ao Professor M.Sc. Antônio Armando Ulian do Lago Albuquerque, ministrante da disciplina – História do Direito - no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade do Estado de Mato Groso – UNEMAT.


 1. Fale a respeito do Direito Objetivo Romano. Pode-se afirmar o Direito Romano como individualista? Justifique.
O Direito Objetivo Romano se refere às relações entre as pessoas. Conforme sistematização observa-se o direito classificado em: jus scriptum; a norma escrita, jus civile; somente para cidadão romano, jus gentium; aplicada aos estrangeiros, jus honorarium; o juiz pretor criava possibilidade por si só, jus constitutionum; tem força de lei imposta pelo rei a todos, jus commune; aplica as regras gerais de direito e por fim o jus singulare; com normas específicas. A princípio o individualismo é colocado como caractere do Direito Romano por sua autonomia e, como observado, sua titularidade de direitos, porém, uma série de estudiosos não o considera individualista, pois somente essas duas características não são suficientes para caracterizá-lo.

2. O Corpus Juris Civilis de Justiniano era formado por quatro partes codificadas. Quais são? Explique.
Codex: código proposto por Justiniano diante da defasagem das leis, quantidade excessiva e ambigüidade. Com leis revistas e algumas suprimidas entra em vigor o novo código. 2ª Digesto: também chamado de Pandectas, era a reunião de aproximadamente 2000 obras jurídicas que se tornaram posteriormente 50 livros. 3ª Institutas: sucinto tratado de direito, mais simples que o digesto e mais teórico que o código, se divide em quatro livros. 4ª Novelas: base para possível formação de um terceiro código Justiniano as novelas equivalem às leis, existiram 134 novelas em Justiniano.

3. Compare os caracteres do Direito Romano do Baixo Império com a doutrina jurídica atual.
São considerados caracteres do Direito Romano neste período; a pouca originalidade, o dogmatismo, a simplificação e o anonimato. No caractere pouca originalidade; o jurista reescreve, mas não cria conceitos onde se utiliza o uso de resumos. No dogmatismo temos a afirmação do mesmo conceito por séculos. Na simplificação, existe a preocupação em simplificar a lei em pequenos trechos que poderiam não ser compreendidos por leitores e até os próprios autores. O anonimato não é aplicado atualmente.

4. Qual instituto do Direito Penal Romano, Processual, teve nascedouro na idade média? Explique.
O Inquérito ou visitation. O processo de dominação e subjulgação da igreja foram feitos através da fé das pessoas. Para garantir essa subjugação das ideias impostas pela igreja a inquisição cria um tribunal eclesiástico e extingue o tribunal civil, assim promove a visitation onde sobre segredo de justiça, bispos avaliadores mandaram milhares de pessoas para a fogueira. Desta maneira o inquérito nasce e se manifesta até a atualidade em nossa sociedade.

5. Fale sobre dogmatização canônica e sua influência na formação do Direito moderno.
Existe uma real relação entre a dogmatização canônica e o Direito moderno. A igreja produzia uma moral religiosa durante o período medieval. O dogma da igreja em nenhum momento poderia ser posto em dúvidas. Na idade média existia uma pluralidade normativa, por exemplo, na Europa, nos vários feudos existentes cada um respeitava suas normas, porém, somente a moral religiosa era algo em comum dentre eles, portanto deveria ser respeitada. Daí, perpassando os séculos, observa-se que a verdade única e imutável que gira em torno da moral religiosa ainda incide mesmo que indiretamente na criação ou manutenção de normas que influenciará a vida das pessoas nas mais diferentes sociedades em pleno século XXI. O Brasil, por exemplo, apesar de ser um país laico, não regido por uma única religião, com seu direito influenciado pela dogmática canônica, tem se segurado diante à aprovação de propostas polêmicas como o casamento homossexual, e a legalização do aborto.

6. Quais os pressupostos ideológicos e os elementos integrantes do Direito moderno?
Os pressupostos ideológicos do Direito moderno são formados por um complexo de normas de teor geral, abstrato, coercível e impessoal. Seus elementos integradores do direito são repartidos em várias vertentes onde uma tem o individuo como o sujeito de direito, a outra mostra as traduções de decisões, isto é, tange a segurança jurídica, também se verifica a relação de empregado e empregador que são colocadas em evidência através dos contratos e por último temos a proteção à propriedade.

7. O que é a casa da suplicação?
A casa de suplicação, uma espécie de tribunal diretamente ligada ao poder real em Lisboa, era responsável pelos modos e usos tupiniquins na formação da burocracia colonial. Algumas práticas e aspectos são associados à casa de suplicação como: patrimonialismo; magistrados portugueses, a elite local diretamente ligada à metrópole e a prática do nepotismo.

8. Compare as Ordenações Filipinas com parte do Código Civil de 1916.
As Ordenações Filipinas, Código legal promulgado em 1603 por Felipe I, eram divididas em vários livros e falava, por exemplo, sobre Direito Penal. Estas ordenações eram um forte instrumento de ação política para o rei. Do século XVII até o século XX com a entrada em vigor do Código Civil de 1916 ainda vimos um código munido de heranças do Brasil colonial. Indo além, ainda em pleno século XXI, em específico novembro deste ano de 2010 a prefeitura do Rio de Janeiro impôs a cobrança legal de foro de aproximadamente 1700 terrenos, essa taxa data o Brasil do período colonial.

9. Como era composta a Ouvidoria Geral (Poder Judiciário no período colonial brasileiro)?
O Poder Judiciário no período colonial brasileiro era composto por: Ouvidoria Geral, Corregedor-mor, Juízes ordinários, auxiliares, Tribunal de relação da Bahia (1609) e Tribunal de relação do Rio de Janeiro (1751). A Ouvidoria Geral não tinha poder sobre o clero e nem poder sobre a igreja.

10. Quais os institutos jurídicos utilizados para promover a conquista da América Central. Explique. Quem foi Bartolomé de Las Casas?
Dentre institutos jurídicos utilizados para promover a conquista da América Central pode-se citar as encomendas, as guerras justas e os requerimentos. Títulos de propriedade, a fé e intuito de ampliação territorial também serviram para firmar o processo de conquista da América central.
Quanto a Bartolomé de Las Casas: foi missionário, teólogo e evangelizador que trabalhou pela reforma da cultura e pelos direitos humanos na América Central. Enviava cartas para o rei da Espanha intimidando-o sobre o contexto de exploração espanhola não condizente com a sua figura de rei cristão. Defensor da liberdade no seu sentido mais amplo, Las casas denuncia ao mundo a forma violenta de conquista feita pela Espanha. Apesar de todo contexto crítico apresentado, a proposta de Las Casas contra a escravização dos índios se torna contraditória ao mesmo tempo em que este propõe que se escravizem os negros.

Referencial Teórico
GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao Direito Romano. Rio de Janeiro. EDITORA LUMEN JURIS, 1996, (3º Vol.).
IHERING, Rudolf Von. O Espírito do Direito Romano. Tradução de Rafael Benaion. Rio de Janeiro, Alba Editora, 1943, (4 vol.).

JAEGER, Werner. Paideia. Los Ideales de la Cultura Griega. Versión española de Joaquim Xirau. México, Fondo de Cultura Econômica.
WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história do direito. 2. ed. [s.l. s.e.]

Fonte:http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/resumos/historia-do-direito/86-fundhstdir.html – Acessado em 05/12/2010.

CONSIDERAÇÕES SOBRE CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL - ÓTICA DE PAUL SINGER

Marcio Lourenço Pereira

Trabalho apresentado ao professor Raul Carlos, ministrante da disciplina - Economia Política - no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade do Estado de Mato Groso – UNEMAT.

INTRODUÇÃO
Observa-se em discussões propostas que a concentração do capital é foco para o ponto de vista das correntes marxistas e marginalistas. Diante do foco marxista, Marx é o primeiro a declarar que a concentração do capital é uma tendência central e fundamental do capitalismo. A concentração segundo Marx é, cada capital individual, em maior ou menor grau, uma concentração de meios de produção. Para Marx o ciclo de conjuntura da economia capitalista se caracteriza por períodos de “vacas gordas e vacas magras”, por uma fase de crescimento da produção, e depois por crise, à qual se segue uma fase de depressão. Em uma mesma conjuntura, Rudolf Hilferding e Kautsky também contribuem com suas opiniões sobre a importantíssima temática em questão.
Tendo em vista o mesmo problema da concentração do capital, a corrente marginalista através de seus estudiosos tentam elaborar soluções cabíveis ao fenômeno hora examinado pelos marxistas. Autores como Berle e Galbraith, contemplam a concentração de capital como sendo um processo quantitativo que deu um salto qualitativo e mudou o sistema econômico. Porém, observam-se autores em contraposição a Berle e Galbraith, que a partir de um livro expõe a face negativa e contraditória da concentração embasada no capital monopolista.
A CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL E A CONCEPÇÃO MARXISTA
Para melhor compreender o fenômeno da concentração do capital, a priori, segue-se a proposta de um estudo norteado pela égide do Marxismo. Para Marx a concentração do capital é uma tendência central e fundamental do capitalismo. Em linhas gerais expõe o conceito de concentração do capital onde concentração em essência possui sentido diverso de centralização.
Concentração é o crescimento do capital individual mediante a acumulação de capital; transforma-se parte do excedente em novo capital, bens de produção que permitem produzir mais e com menos trabalho. Uma característica relevante sobre a concentração é o limite existente neste processo.
Centralização acontece a partir da luta concorrencial e das vantagens das maiores empresas, que produzem em maior escala, em relação às menores. Destaca-se neste caso que ao contrário da concentração de capital, a centralização não tem limite. O monopólio que é fruto deste sistema funciona em escala continua de fusão de empresas.
Ainda sobre a perspectiva de Marx observa-se que o ciclo de conjuntura da economia capitalista se caracteriza pelo crescimento da produção, depois crise, seguida de depressão. No crescimento não há pressão concorrencial. Já no período de depressão acontece o inverso onde a acumulação é reduzida e a concentração é automática. Quem sai ganhando sempre são as grandes empresas.
Ainda seguindo a linha marxista, o importantíssimo estudioso Rudolf Hilferding expõe que em um desenvolvimento capitalista a empresa individual tornou-se incapaz de levantar o capital necessário para se manter no novo ritmo do desenvolvimento tecnológico. Cada vez mais a empresa capitalista passa a ser uma empresa cujo capital é possuído por pessoas que não interferem em sua vida. Isto é, a sociedade anônima.
Nesta passagem do capitalismo individualista para o da sociedade anônima, quem dirige o processo não é necessariamente o proprietário dos meios de produção. Esse processo se fez através da intervenção do capital bancário. O banco passou a ser o instrumento fundamental de transformação da empresa individual em sociedade anônima. O banco desempenha papel essencial no processo de centralização do capital, sendo instrumento de fusão entre várias companhias.
Da fusão entre capital bancário e capital industrial resulta o capital financeiro. Esta é a linha de concentração e centralização nas mãos dos banqueiros e industriais no atual momento do capitalismo monopolista.
Kautsky que foi mestre de Hilferding defende a teoria do Superimperialismo. No período da Primeira Guerra Mundial, discute sobre o capitalismo cada vez mais concentrado chamado de capitalismo monopolista. Este capitalismo esta sujeito a mais crises, a contradições mais profundas, ou ao contrário, ele tende a ser cada vez mais planejado dirimindo suas divergências e pacificamente abrangendo uma escala global? Toda essa problemática gira em torno da teoria do superimperialismo.
Na medida em que os grandes monopólios dominam a economia das mais importantes nações imperialistas eles podem chegar a um acordo. Tanto em âmbito nacional como internacional, ao associar-se, geravam um só interesse podendo diminuir seus conflitos e se tornando uma potência inabalável.
Lenine, contrariamente, refuta o ponto de vista exposto por Kautsky. Por mais que os monopólios possam se associar no plano mundial, a sua força provém do mercado nacional em que eles possuem seu centro, estando estreitamente ligados ao Estado Nacional de sua origem. Deste modo as contradições se elevam as forças e os interesses que se contrapõe se tornam mais potentes e a sua contradição se torna mais aberta, impossível de ser conciliada. A Primeira e a Segunda Guerra Mundial confirmaram a previsão deste autor.
A CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL E A CONCEPÇÃO MARGINALISTA
Tendo em vista o mesmo problema da concentração do capital, a corrente marginalista através de seus estudiosos tentam elaborar soluções cabíveis ao fenômeno hora examinado pelos marxistas. Daí surge algumas questões. A concentração do capital é uma tendência essencial do Capitalismo? De inicio recusaram-se a encarar a realidade.  
O marginalismo foi uma corrente apologética do sistema capitalista que sempre tentou mostrar-se como o sistema mais racional, fruto de longa evolução humana. Desenvolveram este raciocínio apologético em função de um modelo de livre concorrência, baseado na liberdade individual, igualdade perante a lei dentre outros valores da doutrina do liberalismo.
Em vistas de uma economia marginalista gradativamente a livre concorrência é ameaçada pela centralização do capital, pela tendência ao monopólio, que deveria ser impedida pelo Estado.
Economistas marginalistas críticos a tendência de concentração de capital acabam representando certos interesses de pequenos empresários e lavradores que fortemente forçavam a adoção de legislação antitruste nos EUA. Algumas vezes aplicada, relativamente dificultou o processo de centralização, porém não impediu que se caminhasse ao monopólio puro e simples. Gerou-se então uma situação de concorrência monopolista. Por exemplo, a indústria automobilística Norte americana com quatro grandes indústrias em concorrência. Sem o Antitruste certamente a junção seria única.
A concentração do capital acontece em função do progresso tecnológico e, na medida em que os marginalistas tentaram impedi-la por meios políticos eles foram reacionários. Eles não tinham uma alternativa quanto à concentração do capital como os marxistas tinham: o controle público das grandes empresas mediante sua socialização.
Os Marginalistas pretendiam manter o capitalismo no seu estágio de empresa individual, o que era impossível, pois ele estava saindo deste status a partir de meados do século passado. Nos anos 20, Robinson, Chamberlain e outros acordaram e viram que seria necessário reformular toda a teoria da formação de preços e dos mercados, centro da teoria Marginalista. Criaram modelos que se baseiam não na livre concorrência, mas sim no monopólio operando através da oferta e da procura. A tendência do monopólio em agir racionalmente leva a maximizar os seus lucros.
Ao longo do trabalho exposto por Singer há várias situações diferentes de concorrência monopolística. No caso de um só vendedor e um só comprador caracteriza-se o duopólio. No caso de um comprador e muitos vendedores, temos o monopsônio. Exemplo claro deste último caso é o da Empresa Cica massa de tomates.
Destaca-se que dos anos 20 em diante a economia marginalista desenvolveu com bastante perfeição, modelos sobre o mercado monopolista, como funcionam os monopólios e sua constante predominância.
Atualmente Berle e Galbraith, contemplam a concentração de capital como sendo um processo quantitativo que deu um salto qualitativo e mudou o sistema econômico. Isso se deve em primeiro lugar pela perda de significação da propriedade e em segundo lugar temos a figura do Estado que precisamente exerce estreito controle sobre a vida econômica.
Há uma tendência muito rápida à fusão da alta tecnocracia estatal com a alta tecnocracia industrial. Por exemplo, funcionários do Estado com altas patentes assumem cargos na alta administração de empresas americanas, há uma fusão entre os dois grupos. Há no funcionamento norma da economia, uma colaboração mais estreita entre alta direção burocrática do Estado e alta tecnocracia industrial.
Verifica-se que os proletários e os donos das empresas, estão ambos marginalizados. Nas grandes empresas os maiores acionistas possuem apenas entre 5 e 10 % das ações. A classe operária não possui mais sindicatos independentes, pois estes foram absorvidos pelo complexo estatal industrial.
Nestas condições, a economia americana esta caminhando para um tipo de sociedade desenvolvida nos países comunistas; de um lado uma burocracia dirigindo o partido e o Estado, e do outro uma tecnocracia nas empresas exigindo relativa autonomia, porém estando em recíproca colaboração. Portanto, o que Galbraith sugere e que se alinha similarmente a concepção marxista de Kautsky, é uma passagem indolor para o socialismo.
Contrapondo Berle e Galbraith, em um livro, a tese de Sweezy e Baran propõe que o capitalismo monopolista, do tipo americano, acentue cada vez mais as contradições do capitalismo como tal, em vez de resolvê-las. Uma economia centralizada com trustes incentivados pelo Estado não significa verdadeira socialização dos objetivos da empresa, pois o objetivo do lucro não foi abandonado.
Na medida em que o lucro é contraditório com uma repartição menos desigual da renda e com uma constante produção de bens de uso ele gera um excedente cada vez maior, sem ao mesmo tempo assegurar uma procura capaz de fazer com que esse excedente seja de fato acumulado. Eis a contradição do capitalismo monopolista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A problemática sobre concentração de capital diante ao capitalismo monopolista na sociedade atual é perfeitamente interpretada pela corrente marxista. Marx é quem melhor explica esse fenômeno. Perante a corrente marginalista nos deparamos com diversos pontos de ambigüidade que comprometem a melhor compreensão sobre a concentração do capital.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
Singer, Paul, 1932, Curso de Introdução à Economia Política, 17_ed. Rio de Janeiro
Forense Universitária 2007.

SÍNTESE SOBRE AS PRINCIPAIS CONCEITUAÇÕES SOCIOLÓGICAS DE EHRLICH

Marcio Lourenço Pereira

Trabalho apresentado ao Professor Dr. Armando do Lago Albuquerque Filho, ministrante da disciplina – Introdução ao Direito I - no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade do Estado de Mato Groso – UNEMAT.

INTRODUÇÃO

O presente texto transcrito neste trabalho é fruto de leitura e síntese do capítulo II: Principais conceituações sociológicas de Ehrlich, presente na obra denominada “A sociologia jurídica de Eugen Ehrlich e sua influência na interpretação constitucional”; autoria de um dos sapientes professores da Universidade do Estado de Mato Grosso, Professor Antônio Armando Ulian do Lago Albuquerque.
O primeiro tópico exposto por Albuquerque acerca das principais conceituações sociológicas de Ehrlich tange o conceito de Direito, embasado na história do Direito e tido como ciência pura. Seguindo aspectos de pleno cunho sociológico, têm-se as considerações sobre as organizações sociais; as normas sociais; as associações sociais e o cumprimento dessas normas.
Observa-se diante das considerações realizadas acerca das conceituações de Ehrlich, que são postos em analise fatos do direito; possíveis responsáveis pela ordem social e econômica das associações. A norma de decisão presente na ordem interna das associações abre caminho para discussões sobre a temática, Estado e Direito.
O tópico referente à formação do preceito jurídico conceituado por Ehrlich inclui várias considerações debatidas e que contribuem para o entendimento de como estes preceitos são constituídos. Daí, munido de instrumental científico, Ehrlich perfaz bons entendimentos sobre a ciência. Em sequência o Direito estatal é abordado de forma simples podendo demonstrar como se constitui e qual desempenho das associações sociais. Ainda conseguinte, faz suas considerações sobre as transformações do Direito no Estado e na sociedade.
Albuquerque finaliza o capítulo segundo expondo em consonância com as ideias de Ehrlich, questões sobre o Direito vivo; impulsionado pelo método histórico e etnológico inseridos no meio jurídico.

O CONCEITO DE DIREITO

            Eugen Ehrlich expõe em sua obra, análises iniciais que vêm contemplar o Direito como ciência pura. Para este autor em uma contextualização histórica o Direito tal qual vivemos hoje não advém daquele formado no século XIX, mas sim, de séculos antes ainda em tempos romanos.
            Conhecimentos históricos e sociológicos são postos lado a lado, posteriormente em junção vêem formar a sociologia do Direito.
            Na visão de Ehrlich, a orientação ao pensamento deveria ser dada pelo próprio homem, desde a escolha do material adequado â pesquisa até o método a ser empregado. Valores técnicos complementam valores científicos.
            Ehrlich faz crítica à concepção de jurisprudência como doutrina pratica do Direito. Contraria o dizer de que a doutrina prática limita o fornecimento da “escolha de materiais”, objeto e método empregado. Essa forma de pensar não satisfazia, pois o ensino do Direito, à época, não chegava às áreas de atuação no plano jurídico.
Destaca-se que o curso de Direito direcionava-se em específico aos cargos de magistrados e sequer existia formação para advocacia e escrivania. Porém, muito antes, o sistema romano já indicava o caminho vida de regra: pela magistratura, advocacia e escrivania. Mesmo que o ensino incluísse esses dois ramos; advocacia e escrivania ainda eram insatisfatórias, pois o jurista acumulava atividades de todo social.
O ensino de Direito encastelava-se nas universidades públicas, objetivando somente a formação de magistrados, posteriormente, pouco se expandindo.
Ehrlich em paralelo a ciência passa a reconhecer o Direito como aquele advindo do poder judiciário, porém em discordância, vai além dizendo que o Direito também se faz nos escritórios de advocacia e escrivanias.
Ehrlich se preocupa com a forma de que o Direito é empregado na sociedade. Considera errônea a idéia de acreditar que os tribunais decidem corretamente regras as quais os homens deve agir. Direito como regra do agir.
No passado, o Direito não se criou pelo Estado, havia outras fontes de produção de Direito que não a estatal. Para Ehrlich, o importante é conhecer o Direito, não tê-lo como já conhecido.
Na concepção de Ehrlich, o Direito consuetudinário é a fonte primordial do direito como regra do agir humano, ideia esta desprezada pela atividade prática jurídica que o considera inferior ao Direito estatal. Os costumes são inutilizados e doravante utilizados na prática efetiva do Direito.
O que é observado por Ehrlich é que apesar da norma imposta com efeito coercitivo, as pessoas seguem independente desta coerção, aos seus próprios princípios arraigados a instituição a qual pertence, como exemplo a família. Há uma moral estigmatizada que deve ser preservada. Entrelaçam-se as coações sociais às coações normativas.
Ehrlich exclui três características do conceito de Direito como ordem coatora estatal. O Direito estatal não tem origem no Estado; mesmo dando base para decisões judiciais ou outras instituições, mesmo fundando a coação jurídica. Considera-se apenas uma característica desse Direito estatal; o Direito como uma ordem.


AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E SUAS ORDENS

Segundo Gierke a característica de ordem pertence não apenas ao Direito, mas também as associações, nestas também se incluem a concepção de Estado. Por influência deste autor, Ehrlich afasta a possibilidade do Direito reduzir-se apenas a uma decisão judicial.
Dentro da conceituação geral da sociedade observa-se uma relação muita entre as várias instituições ou associações humanas. Toda ordem interna de tempos pretéritos consiste na organização interna das associações humanas, inserindo-se aí o Estado. Contudo, isso não quer dizer que todas as associações possuem a mesma ordem interna, pois o posterior desenvolvimento delas paz com que suas especificidades se tornem necessárias e inerentes a cada associação, propiciando a manutenção dos vínculos com a associação limitada.
No que diz respeito à prescrição jurídica, Ehrlich em síntese diz que não basta a prescrição para solucionar um conflito administrativamente ou judicialmente, é necessário o apego à realidade da vida em comunidade. A concretude do fato localiza-se na ordem interna das associações humanas.
Não se pode confundir norma jurídica com prescrição jurídica. A primeira esta alocada na ordem interna das associações, sendo que a segunda é a redação de uma determinação jurídica num código ou lei. A efetividade das prescrições jurídicas numa sociedade, ocasionando conversões em normas jurídicas também se deve a prática jurídica cotidiana das associações.
Ehrlich não analisa o Direito somente a partir da prescrição jurídica, pois tais prescrições não englobam toda a relação social que existe em determinada organização social.

AS NORMAS SOCIAIS DAS ORGANIZAÇÕES

Já de início temos o significado de organização social que se refere ao conjunto de pessoas que em seus relacionamentos agem de acordo com as regras que conhecem. A forma e o conteúdo dessas regras são constituídos por proibições abstratas destinadas aos integrantes dessas associações.
A jurisprudência nega o reconhecimento de outras regras que não apenas as jurídicas. A insistência era pra que se agisse apenas em concordância com a lei e nunca de acordo com outras regras. É exemplo dessa construção histórica de hegemonia da lei sobe outras normas sociais.
Ehrlich propõe apego à concretude na vida em sociedade, mostrando que se deve contestar aquilo que os legisladores elaboram, ainda sobre o que fundadores de religiões propõem aos seguidores ou sobre o que os filósofos ensinam, pois somente o que se aplica na vida torna-se norma viva, o resto não passa de pura doutrina, norma de decisão, dogma ou teoria.
A tarefa da Sociologia do Direito centra-se em distinguir os elementos do Direito que regulam, ordenam e determinam a sociedade; sua natureza organizatória; daquelas normas que são apenas de decisão.
Para Ehrlich o Direito público não esta firmado apenas na organização estatal, mas também se firma na organização social.
O sociólogo austríaco expõe em sua visão ser um equivoco as instituições jurídicas terem como norte somente as normas jurídicas. A moral, a religião, o costume, as boas maneiras, não só ordenam as relações extras jurídicas, mas também pode influenciá-las. As normas sociais devem estar num plano completo, pois já se encontram em âmbito da complexidade, caso contrário torna-se constantemente abalada em sua ordem, o que pode levar a ruptura e ao advento de um novo período evolutivo. Para alguns teóricos, contemporâneos de Ehrlich, um novo grupo dominante no poder pode impor novas normas ao restante da população.

ASSOCIAÇÕES SOCIAIS E O CUMPRIMENTO DE SUAS NORMAS

Para que se consolide o cumprimento de normas estipuladas, por uma classe dominante, interesses devem coincidir, caso contrário não existiria qualquer respeito as normas impostas.
Segundo Ehrlich a coação a partir das normas imposta a sociedade, advém da lei e da moral em conjunto, caso contrário não haveria sentido a imponência da coação.
Os apontamentos de Ehrlich continuam atuais, principalmente quando denuncia que as sanções só existem para os degradados e excluídos da sociedade. A abrangência da ordem jurídica coativa do Estado se restringe a proteção de pessoas e posses contra os que se encontram fora da sociedade.
Para Ehrlich o aparelho repressivo do Estado age favoravelmente à corrente da classe dominante, dando eficácia ao instrumento de manutenção da ordem capitalista. O autor critica seriamente a sociedade burguesa, pois abomina o domínio de uma minoria sobre a grande maioria.
Todas as normas sociais, jurídicas ou não têm sua origem em uma associação tornando-se obrigatórias, válidas e efetivas somente pra os membros dessa associação. Ehrlich distingue essa norma social das normas jurídicas porque estas possuem validade geral.


OS FATOS DO DIREITO

Contrariamente, o jurista considera como mundo somente aquilo que pode comprovar por meio do Direito, aprovando normas jurídicas e coação como se fossem o principio de tudo e tornando-se incapaz de observar o mundo sem a coação e o Direito. Surge o conceito de fontes do Direito, reduzindo-as somente a duas: a lei e o costume. Ehrlich considera injustificável delimitar o Direito em apenas duas fontes, pois sem dúvidas existem várias outras disponíveis.
Não haveria Direito se inexistissem pessoas com algumas concepções focalizadas na realidade social sobre o Direito, pois para Ehrlich, era na concretude, na observação do real que se deveria buscar o Direito. Essa realidade se exterioriza por meio da transformação de um agrupamento humano: de ordem em associação. Justifica Ehrlich a necessidade de se investigar os fatos que compões essa ordem, pois é ela que indica a cada membro da associação sua posição e tarefa. Tais fatos são: o hábito, a dominação, a posse e por último a declaração de vontade.
Esses quatro fatos são os responsáveis pela ordem social e econômica das associações. As existências desses fatos determinam às associações humanas as regras do agir que não se constituem apenas de normas jurídicas, mas de uma multiplicidade de fenômenos jurídicos.
Um fato isolado não representa um fato social, porque uma instituição isolada não conduz as normas sociais, permanecendo inobservada em uma dada sociedade. Somente por meio da expansão e da generalização pode-se transformar o fato em parte constitutiva da ordem social.


NORMAS DE DECISÃO

Ehrlich defende que os tribunais surgiram através da sociedade e não do Estado, cabendo a eles, inicialmente, decidirem conflitos entre membros de diferentes associações. Posteriormente, o Estado apodera-se dos tribunais, principalmente para decidir os atentados ao rei e os acordos com o inimigo.
As decisões sobre questões conflituosas, de qualquer tipo de tribunal, não podem ser arbitrárias e subjetivas, devendo os veredictos basearem-se em algum princípio geral. Para Ehrlich, esse princípio forma a norma de decisão, considerada uma regra do agir destinada aos tribunais e destinada aos julgadores: juízes, conciliadores e mediadores.
As normas de decisão estão presentes na ordem interna das associações, logo qualquer conflito refere-se a uma violação aos fatos do Direito, cabendo ao Juiz restabelecê-los fundamentado-se nos fatos anteriores ao conflito.
A norma de decisão deve ser válida em todos os casos apresentados, possibilitando a manutenção de uma constância. A base do princípio da constância consiste em aplicar a mesma decisão em casos semelhantes. Por meio deste principio, segundo Ehrlich, as normas abandonam sua forma original, transformando-se em disposição jurídica.


ESTADO E DIREITO

O Direito estatal deriva do Estado em relação ao seu conteúdo e não a sua forma, porque nem toda disposição jurídica ou prescrição legal contêm Direito estatal.
A compreensão de Fontes do Direito como advindas do aparelho estatal consagrou-se devido a quatro fatores. Primeiramente, o ato de legislar participou da formação do Direito; em segundo lugar, os tribunais estatais também contribuíram na administração da justiça; em terceiro lugar, o Estado concentrou o poder de mando sobre seus órgãos estatais; finalmente, se reconheceu ao Direito a força de coerção advinda do Estado.
Ehrlich aponta que inicialmente a administração da justiça não era competência do Estado. Para uma possível formação de administração da justiça estatal havia dependência de uma reordenação dos tribunais pelo Estado. Originando os tribunais profissionais, finalmente consagraria a administração da justiça extinguindo-se os juízes hora escolhidos entre a população.
Ehrlich compreende o aparecimento do Direito estatal posteriormente ao surgimento da administração da justiça, porque somente quando o Estado produz sua própria ordem, seu próprio Direito público, prescrevendo sua competência, seu funcionamento e seu procedimento, pode-se constituir um Direito estatal.
Observa-se que o sociólogo austríaco não desvincula o Estado da sociedade, pois para ele todas as associações formadoras da sociedade englobam-se mutuamente, entrecruzam-se, criando uma associação mais ampla.
Cada associação produz sua ordem interna, próprio Direito, religião e moral. Por outro lado, também existe um Direito mais abrangente, que se impõe às associações menores. Segundo Ehrlich, esta ordem era a expressão da posição das associações dominantes na sociedade em relação as dominadas e da luta das associações organizadas na sociedade contra outras que não se integravam na organização.
O Estado era considerado um órgão da sociedade devido o vínculo entre as associações e as camadas decisivas da sociedade, uma vez que aquelas executavam apenas o que esta exigia. A sociedade servia-se do Estado como órgão que a constituía, impondo suas ordens as associações.


A FORMAÇÃO DO PRECEITO JURÍDICO

Ehrlich afirma que toda norma de decisão contem, dentro de si, o embrião de um preceito jurídico, transformando-se definitivamente quando seu conteúdo fundamental se solidifica e generaliza.
De todo modo, os preceitos jurídicos eram sempre criados por juristas, fundamentados por normas de decisão contidas em sentenças de tribunais.
Para Ehrlich, a doutrina dominante nega ao juiz e ao escritor do Direito a capacidade, em suas atividades, originarem um preceito jurídico, porque a tarefa do juiz centra-se apenas na aplicação de Direito.
Se o juiz só deve seguir a lei ou o Direito consuetudinário torna-se impossível que, ao mesmo tempo, siga princípios não contemplados nele. Seguindo os preceitos do Direito científico; não se devem criar normas, mas apenas pesquisá-las, ensiná-la e apresentá-las.
Mediante um panorama histórico o próprio Ehrlich reconhece a insuficiência do poder do juiz e a superação das enormes resistências sociais que se lhe oporiam.
O preceito jurídico constitui-se das normas dominantes na sociedade, generalizando-as e uniformizando-as em normas jurídicas. Todavia, depende do jurista a seleção da matéria jurídica a ser generalizada e uniformizada, assim como a escolha criteriosa das ordens que lhe sevem de modelo a fim de julgar as disputas anteriores.


A CIÊNCIA PARA EHRLICH

A ciência se ocupa daquilo que pode ser provado por meios científicos, porém, sobre o justo se pode provar muito pouco, sobretudo por ser um conceito abstrato, pois varia de acordo com os valores adotados por cada comunidade ou sociedade. Por esse motivo, a ciência não esclarece os objetivos da vida, mas pode indicar os caminhos que conduzem aos objetivos, tão logo estejam claramente delineados.
Decidir observando sinais numa sociedade passível de transformação e ainda analisar suas necessidades é atividade digna de quem possui um espírito munido de pleno instrumental científico.


O DIREITO ESTATAL

As normas jurídicas estatais estabelecem-se por meio da coação jurídica, muito raramente pela coação social. A coação social, para o Direito estatal, não possui força para o cumprimento de regras impostas pelo próprio Estado, somente estabelece equilíbrio às ordens internas das comunidades por meio da conduta moral.
Existe determinado meio de imposição da norma pelo Estado. Primeiramente e com maior relevância, cabe ao Estado por meio as normas de decisão, prescrever aos órgãos estatais como devem decidir os fatos que lhes são apresentados. De outra forma, por meio de normas de intervenção, sem a necessidade d invocar a própria norma intervencionista.
Observa-se que as coisas não mudam pelo fato da prescrição jurídica ser aplicada em constância, isto não prova a existência de uma integração na vida, nem mesmo que essas prescrições dominam a vida cotidiana das pessoas.
A lei para Ehrlich, não pode solucionar tudo, algumas coisas não podem ser conseguidas pela lei, porque uma vez promulgada ela toma seu próprio caminho, se efetivada ou não depende da comprovação de adequação dos meios em fins pretendidos. As leis só cumprem seus objetivos se forem cumpridas espontaneamente pela população.
A influência do Direito estatal consiste na concessão pelo Estado, a si próprio e a seus órgãos de um Direito aglutinador dos mais diferentes grupos humanos, transformando-os em povo, iniciando uma unidade e generalização sobre o todo social.


AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO NO ESTADO E NA SOCIEDADE

O Direito muda porque a sociedade muda, porque as pessoas também se modificam. Segundo Ehrlich, deve-se atentar para a evolução das relações sociais e das instituições jurídicas, pois as prescrições jurídicas evoluem juntamente com elas.
A sociedade sempre esta em evolução, constantemente surgem novas associações, novos contratos, novas declarações de vontade, novos hábitos.
A ação das forças sociais torna-se responsável pela constante alteração dos limites entre o Direito estatal e o Direito Societal. Interesses protegidos apenas pelas normas jurídicas societais passam a receber proteção jurídica estatal assim que seu significado se torne consciente.


MÉTODOS DA SOCIOLOGIA DO DIREITO

Para Ehrlich a sociologia do Direito, assim como toda sociologia deve ser a ciência da observação. A história do Direito é fonte primária de material a ser pesquisado pelo sociólogo do Direito. O jurista ao lidar com a vida, inicialmente, necessita conhecê-la em seu aspecto sócio-cultural, político e econômico, dando ênfase a um conteúdo vivo.



A INVESTIGAÇÃO DO DIREITO VIVO

Ehrlich considera o Direito vivo como aquele que domina a vida, mesmo não estando fixado em prescrições jurídicas. A forma de conhecer esse direito concentra-se em analisar os documentos, em observar os usos e costumes das diferentes e variadas associações reconhecidas ou não pelo Estado.
A investigação sociológica do Direito vivo impulsiona o método histórico e etnológico para a área jurídica, dando-lhes maior sentido. Para Ehrlich, nunca aprendemos a compreender o passado de outra forma que através do presente, mas o caminho para compreender a essência do presente passa pela compreensão do passado: Cada parcela do presente contém todo o seu passado e ele é perfeitamente perceptível para quem possui um olho acurado para ver a essência das coisas.

    
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já mencionado em um momento introdutório, o primeiro tópico exposto por Albuquerque acerca das principais conceituações sociológicas de Ehrlich anseia o conceito de Direito embasado na história do Direito como ciência pura. Observa-se neste enfoque certa miscigenação entre experiência histórica e uma sociologia capaz de constituir a sociologia do direito. Desta maneira, Ehrlich faz várias críticas as concepções e formas de aplicação do Direito instituído somente segundo a norma, para ele o Direito consuetudinário constitui a fonte primordial do Direito como regra do agir humano, daí o caráter social do direito.
No tema sobre organizações sociais e suas ordens internas, verifica-se Ehrlich influenciado e considerando o Direito como algo além de uma simples decisão judicial. Cada associação possui sua ordem interna. A crítica neste ponto se destina a aplicação de normas e prescrições jurídicas sem de fato analisar a ordem interna de cada associação ou sociedade, fazendo o direito fracassar em sua essência.
 Para Ehrlich as normas sociais das organizações regem-se através de pessoas que em sua conduta social age segundo as regras que cada uma reconhece. Para o sociólogo austríaco representa um equívoco a compreensão de que as instituições jurídicas se repousam somente nas normas jurídicas. Não importa se as normas são impostas ou não, nota-se que cada um sempre age conforme seu interesse, o que caracteriza as associações sociais e o cumprimento de suas normas.
Em analise ao tema fatos do Direito; Justifica Ehrlich a necessidade de se investigar os fatos que compõe a ordem das associações, pois é ela que indica a cada membro da sociedade sua posição e tarefa. Tais fatos são: o hábito, a dominação, a posse e por último a declaração de vontade; possíveis responsáveis pela ordem social e econômica das associações. Para o sociólogo austríaco as regras do agir não se constituem apenas de normas jurídicas, mas de uma multiplicidade de fenômenos jurídicos.
Conseguinte aos fatos do Direito, Albuquerque expõe que para Ehrlich existe um princípio formador de uma norma de decisão. As decisões a respeito de assuntos conflituosos, de qualquer tipo de tribunal, não podem ser arbitrárias e subjetivas, mas os vereditos devem se basear em algum princípio geral. A norma de decisão presente na ordem interna das associações abre caminho para discussões sobre a temática, Estado e Direito. Por meio de análise histórica Ehrlich contextualiza todo processo de inserção do Estado e sua administração da justiça tanto nos países do Ocidente quanto nos países distantes e de sistemas diferentes do Oriente. Albuquerque verifica que para o sociólogo austríaco o Estado era considerado um órgão da sociedade devido o vínculo entre as associações e as camadas decisivas da sociedade, uma vez que aquelas executavam apenas o que esta exigia. A sociedade servia-se do Estado como órgão que a constituía, impondo suas ordens as associações.
O tópico referente à formação do preceito jurídico conceituado por Ehrlich inclui várias considerações debatidas anteriormente e que contribuem para o entendimento de como estes preceitos são constituídos. De todo modo, os preceitos jurídicos eram sempre criados por juristas, fundamentados por normas de decisão contidas em sentenças de tribunais. Apesar de a todo o momento trazer neste texto considerações favoráveis de Albuquerque acerca dos conceitos de Ehrlich, observa-se em alguns momentos que o sapiente professor nem sempre vai de encontro às ideias de Ehrlich considerando-o equivocado por vezes.
Munido de instrumental científico, leva-se em consideração que neste trabalho, Ehrlich perfaz bons atendimentos sobre a ciência. Em sequência o Direito estatal é abordado de forma simples podendo demonstrar como se constitui e qual o desempenho das associações sociais. Verifica-se que a influência do Direito estatal consiste na concessão pelo Estado, a si próprio e a seus órgãos de um Direito aglutinador dos mais diferentes grupos humanos, transformando-os em povo, iniciando uma unidade e generalização sobre o todo social.
Ainda conseguinte, são realizadas considerações sobre as transformações do Direito no Estado e na sociedade. Assim, esgotando as temáticas propostas em “As principais conceituações sociológicas de Ehrlich”, Albuquerque finaliza o capítulo segundo expondo em consonância com as ideias deste autor, questões sobre o Direito vivo; impulsionado pelo método histórico e etnológico inseridos no meio jurídico. Conforme verificado, a forma de conhecer esse direito concentra-se em analisar os documentos, em observar os usos e costumes das diferentes e variadas associações reconhecidas ou não pelo Estado. Ehrlich sustenta a tese de que a sociologia do Direito deve concentrar seus estudos nesse direito em específico, o direito da sociedade.


BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
Albuquerque, Antonio Armando Ulian do Lago. A sociologia jurídica de Eugen Ehrlich e sua influência na interpretação constitucional / Antonio Armando Ulian do Lago Albuquerque. Porto Alegre : S.A. Fabris, 2008.

 

sexta-feira, 18 de março de 2011

GEOGRAFIA: ARTIGO SOBRE "OS IMPACTOS SÓCIO-AMBIENTAIS OCASIONADOS PELO GASODUTO BOLÍVIA - BRASIL NA SERRA DA PALMEIRA"


Marcio Lourenço Pereira
Escola Estadual de 1º e 2º grau “Professora Ana Maria das Graças de Souza Noronha”.


RESUMO 

          Diante a implantação do gasoduto Bolívia-Brasil e seus possíveis impactos no decorrer do seu traçado analisar o espaço modificado, torna-se extremamente relevante, esboçando como objeto de estudos a mudança de direção do fluxo de água subterrânea por um furo direcional na Serra da Palmeira, situada no conjunto de serras da Província Serrana. A metodologia empregada envolveu levantamento bibliográfico junto a relatório técnico, textos geológicos e hidrogeológicos, carta topográfica DSG, imagem de satélite Land Sat, Software Livre Google Earth e também a busca de informações junto a Técnicos que participaram do quadro do Gasoduto Bolívia – Mato Grosso, Ministério Publico e outros órgãos com objetivo de saber como foi o processo de ocupação da área em questão, assim como a legislação ambiental utilizada. Pode-se observar que os riscos e impactos poderiam ser minimizados, mas a execução do furo direcional na serra trouxe problemas não previstos no planejamento. Fica atenção para que os mecanismos de estudos de impactos ambientais realmente sejam utilizados de forma adequada e consciente garantindo equilíbrio geossistêmico. Assim, dentro deste enfoque os impactos ao meio natural são, em primeira via, em um curto período de tempo, ocasionados pelas atividades humanas que devem ser amenizadas, restabelecendo o equilíbrio do meio natural.


Palavras-chave: Gasoduto, impacto ambiental, água subterrânea, Serra da Palmeira.


INTRODUÇÃO

          O gasoduto Bolívia-Mato-Grosso, ramificação do gasoduto Bolívia-Brasil, obra de abrangência internacional, que tem por finalidade transportar e fornecer gás natural desde as jazidas na Bolívia até a Usina Termoelétrica de Cuiabá-MT, passou por vários municípios no Estado de Mato Grosso até mesmo o de Cáceres, onde precisamente na Serra da Palmeira foi executado um furo horizontal para passagem dos dutos de condução do gás natural. Diante a implantação desta obra e seus possíveis impactos no decorrer do seu traçado neste trecho, analisar o espaço modificado pelo Gasoduto Bolívia-Brasil torna-se extremamente relevante, esboçando como objeto de estudos a mudança de direção do fluxo de água subterrânea na Serra da Palmeira. Sabe-se que as águas subterrâneas fazem parte de uma etapa do ciclo hidrológico já que uma pequena parcela de água do subsolo é precipitada, além de prestar a função mantenedora do nível dos rios e lagos, o que constitui dentro de uma perspectiva geossistemica o equilíbrio do meio natural.
          Nesta perspectiva, segundo Schumm, 1973 o trinômio: potencial ecológico, exploração biológica e ação antrópica, embutidos no conceito de geossistema somente encontra biostasia na inter-relação dos dois primeiros agentes e a ação humana determina um geossistema em resistasia. Dentro deste enfoque os impactos ao meio natural são, em primeira via, em um curto período de tempo, ocasionados pelas atividades humanas que devem ser amenizadas, reestabelecendo o equilíbrio do meio natural. Atualmente todos os países do mundo sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento, utilizam de instrumentos de avaliação de impacto ambiental, toma-se a exemplo o EIA/RIMA, utilizado pelo Brasil. Há de se destacar as falhas nestes mecanismos que são o aval de funcionamento de obras potenciais à degradação do ambiente natural. A motivação de elaboração deste trabalho vem da importância em analisar a problemática dos possíveis impactos ocasionados pela obra do Gasoduto Bolívia-Brasil na Serra da Palmeira a partir da realização de um furo direcional, o que possivelmente veio alterar a direção do fluxo de água subterrânea do aqüífero local, além de influenciar na mudança do meio físico e biótico.
          Como Cunha & Guerra, 2004 afirmam, para a realização deste, devemos ter a ótica de que o estudo de degradação ambiental não deve acontecer somente sob o enfoque físico, mas para que possa ser entendido de forma integrada, global devem ser levadas em conta às interações existentes entre a degradação do ambiente e a sociedade que causou esta degradação que ao mesmo tempo sofre os efeitos e tenta resolver esta problemática.


 O GASODUTO BOLIVIA-BRASIL E A ABRANGENCIA DA OBRA EM MATO-GROSSO

A Gasocidente do Mato Grosso Ltda., subsidiária da Enron Internacional, é proprietária do Gasoduto Bolívia – Mato Grosso, que em operação a mais de dois anos, liga a cidade de San Matias, na Bolívia, a Cuiabá, no Estado de Mato Grosso, no Brasil. O licenciamento ambiental deste empreendimento foi elaborado através do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em Brasília, com a participação da Fundação Estadual de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso - FEMA através de emissão de pareceres técnicos.
Com a preocupação especial na questão de cunho hidrológico no que se refere à qualidade da água da região da construção, a empresa contou com o acompanhamento de profissionais especializados que faziam as inspeções e análises freqüentes com amostras colhidas de todos os corpos d’água onde houve interferência da obra.
A empresa também contou com a ajuda de um hidrogeólogo na tentativa de garantir o menor impacto possível aos aqüíferos da região da Província Serrana de Cáceres durante a utilização do método de furo direcional.
Assim que o gasoduto foi instalado criou-se um limite de periculosidade denominado faixa de servidão, aonde foi realizado um trabalho de cobertura do solo com gramíneas e outras técnicas para evitar a força mecânica das águas que provoca a erosão, como o uso de sacos de junta com terra em barrancas e construção de curvas de nível ao longo da faixa. A de se destacar que nem sempre a utilização destes métodos previstos no Projeto Básico Ambiental da obra garante eficiência na preservação e conservação do meio natural. Ressalta-se ainda, que já foram elaborados trabalhos científicos na faixa de servidão deste gasoduto que comprovam á ineficácia de algumas técnicas utilizadas na obra.
Segundo verificado no primeiro volume do Estudo de Impacto Ambiental da obra no que tange ao item V do Artigo 2º da Resolução Nº 001/86 do CONAMA, que considera a construção e operação de um Gasoduto como atividade modificadora do meio ambiente, este obrigatoriamente terá que oferecer monitoramento de sua área por equipes especializadas em procedimentos ambientais, o que pelo menos vem minimizar os impactos ocasionados ao meio natural.

 A SERRA DE PALMEIRA E VIAS DE ACESSO 

 A Serra da Palmeira faz parte do conjunto de serras da Província Serrana que está situada a nordeste da cidade de Cáceres-MT. A área de estudos localiza-se entre as coordenadas geográficas de latitudes 15º57’12” e 15º59”36” Sul e longitudes 57º18’37” e 57º20’48” Oeste e diante seu domínio geomorfológico caracteriza-se como divisor de águas entre a sub-bacia do Rio Paraguai e sub-bacia do Rio Cuiabá. Segundo dados obtidos através do (EIA/Gasoduto Bolívia-Brasil,v.2) o clima no município de Cáceres assim como todo traçado do gasoduto é classificado, segundo modelos propostos por Thornthwaite e Köppen, como sub-úmido/seco e clima de savana o que caracteriza um contraste entre os níveis pluviométricos nas estações de chuva e de seca. O acesso até a área de estudos é feito pela BR. 070 no sentido Cuiabá-Cáceres, Sendo que aproximadamente 60 km antes da cidade de Cáceres, toma-se como via de acesso uma estrada secundária não pavimentada por mais 27 km até o local de execução do furo direcional.

                      Figura 1. Mapa de localização da área de estudo. Fonte: Google Earth, 2006.

         
         Como mostra a figura 1, a partir de imagens tridimensionais produzidas pelo Software Google Earth, foi gerado um roteiro que traçado desde o ponto de enboque do furo direcional na Serra da Palmeira até a UNEMAT, obteve-se uma distância total de 92 km.


CONTEXTUALIZAÇÃO DA GEOLOGIA E HIDROGEOLOGIA DA SERRA DA PALMEIRA

Os Dobramentos do Alto Paraguai, também denominados Faixa de Dobramentos Paraguai, são caracterizados pelos relevos serranos desenvolvidos sobre as morfoestruturas dobradas das rochas do grupo Alto Paraguai, onde a Província Serrana ocupa o local de maior destaque. Em análise ao arcabouço geológico da região observa-se que a Serra da Palmeira situa-se na Faixa de Dobramentos Paraguai na porção sudeste do Cráton Amazônico. A área sobreposta ao escudo cristalino Sul-Americano, denominada Cráton Amazônico não recebe influência de movimentos orogênicos pelo menos desde o fim do período Pré-Cambriano, o que possibilitou que porções desta faixa de dobramentos fossem a grande parte, encoberta pelos sedimentos quaternários da Bacia do Pantanal.
 Em um contexto Geológico Regional as Coberturas Sedimentares de Plataforma são formadas por rochas pertencentes ao Grupo Alto Paraguai inseridas nas formações Diamantino, Sepotuba, Raizma, Araras, Moendas e Bauxi. Apresentam-se afetadas por ondulações e uma tectônica rúptil que se manifesta através de falhas normais. O contato com as rochas dobradas da zona estrutural externa estão recobertas pelos sedimentos fanerozóicos da Bacia do Pantanal. O primeiro trabalho de caracterização estrutural desta área foi desenvolvido por Luz et al., 1980, que distinguiram três eventos tectônicos que afetaram a Faixa Paraguai, os três de natureza compressivas.
A Formação Diamantino Estratigraficamente ocupa a posição de topo no Grupo Alto Paraguai, seus contatos inferiores são concordantes e transicionais com os folhelhos da Formação Sepotuba, na região do município de Diamantino, e com os arenitos da Formação Raizama, no extremo centro-leste do Estado de Mato Grosso, mais precisamente na Depressão Interplanáltica de Paranatinga (Radam Brasil, Folha SD. 21 -Z-B). Litologicamente a Formação Diamantino é constituída em sua seção basal, por freqüentes intercalações de folhelhos, siltitos arcoseanos e arcóseos em vários ciclos sucessivos, evidenciando ritmos regressivos em seu ambiente de sedimentação. Quanto à idade geológica posicionou-se a Formação Diamantino no Pré-Cambriano Superior, baseando-se em sua relação de contato com a Formação Sepotuba, para a qual foi determinada uma idade de diagênese em torno de 547 5 MA (Radam Brasil, Folha SD.21 -Z-A).
A Formação Sepotuba é segundo Oliveira, 1915 denominada pelas rochas argilosas de cor cinza-esverdeado chamadas de Folhelhos Sepotuba, que ocorrem nas corredeiras do rio Sepotuba, no Porto de Tapirapuã. Estratigraficamente localizado no interior do Grupo Alto Paraguai, a Formação Sepotuba, tem seus contatos inferior e superior concordantes e gradacionais. Os arcóseos, em camadas espessas e dominantes em toda sua espessura, evidenciam o aparecimento de uma nova unidade litoestrátigrafica, no caso a própria Formação Diamantino. Observados por Almeida, 1964 a perfeita transição entre os Arenitos Raizama e os Folhelhos Sepotuba, o autor concluiu que estes últimos pareciam corresponder ao complemento argiloso daqueles e acumulados em águas mais profundas, a maior distância da costa do mar transgressivo o que veio caracterizar sua origem e ambiente de sedimentação.
A Formação Raizama está estratigraficamente localizada no interior do Grupo Alto Paraguai e tem seus contatos inferior e superior concordantes e gradacionais, realizados respectivamente com os calcários da Formação Araras, muito bem observados na borda leste da serra do Padre Inácio, e com os folhelhos e siltitos da Formação Sepotuba, verificados na maioria das serras da Província Serrana. Litologicamente tem em sua base freqüentes intercalações de camadas de arenitos grosseiros e conglomerados com matriz arenosa fina, média e grossa, possuindo clastos de chert, dolomito e seixos de quartzo, litologias estas que caracterizam a passagem de transição para as rochas da unidade litoestrátigrafica da Formação Sepotuba.
 A Formação Araras é constituída por um pacote de rochas calcárias que ocorrem no alto curso dos rios Paraguai e Cuiabá. Na área da Província Serrana, é constituída por colinas e morros levemente ondulados, que mostram-se alongados no sentido da estrutura regional, ocorrendo no centro de anticlinais e nos flancos de sinclinais. Luz et al.,1978 subdividiram a Formação Araras em dois membros (Inferior e Superior), sendo o Inferior (calcário dolomitico) formado por margas conglomerátics, calcários margosos, calcários e calcários dolomíticos, intercalados a siltitos e argilitos. O Superior (calcário calcitico) é formado predominantemente por dolomitos com intercalações de arenitos e argilitos calcíferos, sendo comum para o topo a ocorrência de Níveis silicificados e níveis de silexito (Chert). Todo o pacote possui numerosas estruturas primárias (estratificação plano-paralela, brechas intraformacionais, estromatólitos e oolitos) e secundárias (estilolitos, geodos, drusas e nódulos de sílex).
A Formação Moenda que a principio foi caracterizada por Maciel, 1959 como Formação Puga é constituída por rochas conglomeráticas encontradas principalmente na região serrana do Alto Rio Paraguai. Encontra-se espalhadamente na Folha SD.21 -Y-D, na porção sudoeste da Província Serrana – na porção ocidental da Serra da Palmeira – e na parte oeste da serra do Padre Inácio, no trecho entre as localidades de Mirassol d´ Oeste, e Sonho Azul. Quanto à litologia e estrutura a Formação Moenda é quase toda constituída por paraconglomerados petromíticos, de cor marrom-arroxeada a chocolate e cinza-esverdeado, esta última com menor freqüência.
A Formação Bauxi, segundo Figueiredo et alii, 1974 foi reconhecida ao longo da Província Serrana, na borda oeste da serra do Padre Inácio e na região da serra do Rio Branco, a direção noroeste de Cáceres. Esta formação foi subdividida em dois membros sendo, o inferior constituído por metassiltitos, com intercalações de metarcóseos e metagrauvaca; e o Superior, constituído por metarenitos ortoquartizíticos, com níveis conglomeráticos. A litologia e estrutura dos componentes deste grupo possuem características homogêneas, pois predomina uma seção psamítica ente os parâmetros de areia fina (dominante) a média, localmente com níveis mais grossos (microconglomeráticos), com grãos de quartzo subarredondados a arredondados e boa esfericidade.
Reportando-se do contexto Geológico Regional para o local, as Formações que caracterizam o contexto litológico da Serra da Palmeira são as Formações Raizama e Diamantino. Quadros, 2001, em seu Relatório Técnico Conclusivo destaca as principais feições geomorfológicas da Serra da Palmeira que com aproximadamente 2000 metros de extensão, e representada principalmente pelo flanco noroeste de uma dobra sinclinal regional, é sustentada pelos sedimentos arenosos da Formação Raizama que são mais resistentes aos processos de intemperismo.
Como observado na figura 2, temos na geologia local da serra da palmeira o contato da Formação Diamantino (Topo): folhelhos vermelhos com intercalações freqüentes de arenitos finos e siltitos, onde esta associação litológica marca a passagem da Formação Raizama para a Diamantino. Formação Raizama (base): folhelhos vermelhos laminados com freqüentes intercalações de arenitos e siltitos quartzosos. A direita da foto nota-se o leito de um pequeno córrego formado. A água deste córrego corre sobre o arenito da Formação Raizama.

                          Figura 2. Serra da Palmeira: Contato entre Formações Diamantino e Raizama.
                          Rosestolato Filho, 2004. 

         Os estudos hidrogeologicos compõem o embasamento fundamental para a compreensão sobre a água subterrânea existente na Serra da Palmeira. As águas subterrâneas são a síntese dos estudos hidrogeológicos, e uma vez que constituem uma parte da água advinda de precipitação, esta faz parte do ciclo hidrológico. Para Garcez e Avarez, 2002 o comportamento natural da água quanto à sua ocorrência, transformações de estado e relações com a vida humana é bem caracterizado por meio do conceito de ciclo hidrológico. Segundo Karmann, 2000, é assinalado como água subterrânea,

[...] a fração de água que sofre infiltração, acompanhando seu caminho pelo subsolo, onde a força gravitacional e as características dos materiais presentes irão controlar o armazenamento e o movimento das águas. De maneira simplificada, toda água que ocupa vazios em formações rochosas ou no regolito[...]

Toda água que corre na subsuperfície terrestre é denominada de água subterrânea, que diante a força da gravidade e adesão, preenche os poros ou vazios intergranulares das rochas sedimentares, ou as fraturas, falhas e fissuras das rochas compactadas, desempenhando uma importante função no sustento da umidade do solo e do fluxo dos rios e lagos.


O FURO DIRECIONAL E OS IMPACTOS OCASIONADOS

         O furo direcional (furo horizontal) é uma saída da engenharia técnica tomada pela Gasocidente, para superar os obstáculos naturais encontrados durante a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil, que tem no seu traçado múltiplos domínios morfológicos. A Serra da Palmeira faz parte de um grupo de serras que sofreram este tipo de perfuração, primeiramente por ser financeiramente dispendioso para a empresa responsável pela passagem dos dutos por sobre a serra e ainda se caracterizar um considerável obstáculo natural. O furo direcional foi feito na porção sudeste da serra, tendo como local de desemboque a porção sudoeste. Em observações de trabalho de campo e estudos feitos por Quadros, 2001, a constituição litológica da seção onde a serra foi perfurada é caracterizada por arenitos e conglomerados oligomíticos quartzosos com níveis de folhelhos vermelhos laminados intercalados, não havendo, portanto, a presença de rochas calcárias da Formação Araras.
         A discussão inserida neste trabalho vem da mudança de direção do fluxo de água subterrânea na Serra da Palmeira que, como verificado em campo, a partir da execução do furo direcional, ao atingir a porção central da serra, houve um rompimento dos níveis dos folhelhos selantes e impermeáveis que impediam o transbordo da água subterrânea retida naquele setor do aqüífero. Pondo fim ao confinamento do aqüífero poroso fraturado a água por força da pressão gravitacional segue por diferentes direções nas fraturas das rochas.
         A execução do furo direcional na serra, além de ocasionar o desequilíbrio daquele biossistema com diminuição do fluxo da água e desaparecimento de córregos, trouxe também certo transtorno aos habitantes da região.
  
CONSIDERAÇÕES FINAIS

          Este artigo foi elaborado com o intuito de discutir os impactos sócio-ambientais ocasionados pelo Gasoduto Bolívia-Brasil na Serra da Palmeira, diante o processo de apropriação e produção espacial, onde os impactos ambientais ocasionados na área delimitada vieram caracterizar os impactos negativos de uma apropriação indevida relacionado principalmente pela ação do homem.     
          Como observado, a Serra da Palmeira faz parte do conjunto de serras da Província Serrana que está situada a nordeste da cidade de Cáceres-MT. O foco de estudos monográfico foi voltado principalmente para os impactos ocasionados pelo Gasoduto Bolívia-Brasil que com a construção de um furo direcional veio influenciar na mudança de direção do fluxo de água subterrânea, ocasionando a redução e até a extinção de córregos que nasciam naquela área. Segundo Durão, 2003, o método de Furo Direcional apesar de apresentar várias vantagens como à preservação do topo dos montes, morros e serras, possui inúmeras desvantagens sendo próprios, a saber: a restrição de aplicabilidade, condicionada pelo relevo; concentração dos riscos, pela utilização de grandes quantidades de óleos combustíveis / lubrificantes e bentônica; além de pungir o aqüífero, rebaixando nível piezométrico com prejuízo às nascentes das imediações.
         Desses riscos, impactos ou desvantagem, todos podem ser minimizados ou revertidos, mas a execução do furo direcional na serra, além de ocasionar o desequilíbrio daquele biossistema com a diminuição do fluxo da água e o desaparecimento de córregos, trouxe também certo transtorno aos habitantes da região. Esta problemática ambiental faz com que pensemos no desenvolvimento sustentável, e na sua real essência que gira entorno das conseqüências indesejadas dos projetos de transformação da natureza visando o desenvolvimento. Fica o apelo para que os mecanismos de estudos de impactos ambientais realmente sejam utilizados de forma adequada e consciente, garantindo o equilíbrio entre viabilidade e sustentabilidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAICEDO, Nelson L. Água Subterrânea. IN: TUCCI, Carlos E. M. [et al]. Hidrologia: ciência e aplicação. Porto Alegre, RS. Ed. UFRGS/ABRH, 2004. p. 224.
 
DURÃO, Alaíde M. Furo Direcional como alternativa minimizadora de Impactos Ambientais na implantação do Gasoduto Bolívia-Mato Grosso. Artigo publicado no Congresso Internacional de Geografia: CUSS – Cuba, 2003. p.12. EIA/Estudo de Impactos Ambientais Gasoduto Bolívia-Mato Grosso. Volume II-Diagnóstico Ambiental. Cuiabá, MT.Gasocidente do Mato Grosso, 1997. p.848.

GARCEZ, Lucas, N., ALVAREZ, Guillermo, A. Hidrologia, revista e atualizada. São Paulo, SP. Ed. Edgard Blücher, 2002. p.128.

GUERRA, Antonio Jose Teixeira, CUNHA, Sandra Batista. Geomorfologia e Meio Ambiente. 5ª ed. Rio de Janeiro, RJ. Ed.Bertrand Brasil, 2004. p.337.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de Pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragem e técnicas de pesquisa, análise e interpretação de dados. São Paulo,SP. Atlas, 1982. p.42.

PROJETO RADAMBRASIL. Geologia, Geomorfologia, Pedologia, Vegetação e uso Potencial da Terra. Ministério das Minas e Energia, Folha Cuiabá. SD 21. V. 26. Rio de Janeiro, 1982. p.93-109.

QUADROS, Álvaro P. Estudo geológico e hidrogeológico da Serra 10 – Serra da Palmeira. GEOMIN – Geologia e Mineração LTDA, Relatório Técnico Conclusivo, 2001. p.21.

SCHUMM, S. A. 1973. IN: FIGUEIREDO, M: Análise dos Processos Erosivos Associados ao escoamento Superficial na Microbacia do córrego Jaberão. Rio de Janeiro, 2003. 118p. Tese de Doutorado. UFRJ/PPGG.


INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS SOBRE ESTE ARTIGO

PEREIRA, M. L. Os impactos sócio-ambientais ocasionados pelo gasoduto Bolívia - Brasil na serra da Palmeira. In: Semana de Geografia da Unemat, 10. (SEMAGEO), 2009, Cáceres/MT. Anais... Cáceres/MT: Unemat, 2009. p. 289-300. CD-ROM. ISSN 2175-8956.